O ritmo alucinante da vida de hoje, a transitoriedade das coisas, das pessoas e dos valores, a valorização do bem material, o individualismo crescente, a falta de solidariedade e a premência do tempo e do sucesso estão fazendo surgir novos tipos de doenças e entre elas se enquadra a doença coronariana.

A doença coronariana, produtora do Infarto do Miocárdio, tem sido uma das patologias mais estudadas atualmente, tendo em vista a altíssima incidência em que acomete pessoas dos países mais civilizados. A ciência tem demonstrado uma grande variedade de fatores causais envolvidos no desenvolvimento da doença, sendo os mais freqüentemente referidos a predisposição genética, o tabagismo, a hipertensão arterial, a elevação dos níveis de colesterol, o estresse cotidiano, a vida sedentária do homem moderno, a obesidade e a diabetes.

Alguns estudos consideram a participação de fatores constitucionais um dos elementos mais importantes no desenvolvimento da doença, outros enfatizam a importância prevalente dos fatores ambientais, tais como o aumento do nível de colesterol, o fumo e a hipertensão arterial. Enfim, quanto a ordem de importância desses fatores não há ainda um consenso.

Apesar de todos esses estudos, na década de 1980, alguns estudos (Eliot R S – Stress and cardiovascular disease: mechanisms and measurement – Ann. Clin. Res. no. 19, p.p. 88-95, 1987.) constatavam que até cerca da metade dos coronarianos não apresentam os clássicos fatores de risco ambientais atribuídos ao desenvolvimento da doença. Assim sendo, quais seriam os mecanismos responsáveis pelo desenvolvimento da doença nesses pacientes?

O atual conhecimento médico no que diz respeito às causas da hipertensão arterial tem enfatizado seu aspecto multifatorial, resultante de um complexo desequilíbrio no sistema responsável pela manutenção de um fluxo e volume sanguíneo satisfatórios e do tônus da musculatura arterial. Na realidade, apenas 10% dos casos de hipertensão arterial têm suas causas específicas detectadas e a expressiva maioria dos casos continua sendo rotulada de hipertensão arterial essencial, ou seja, sem causa orgânica definida.

A fisiologia da pressão arterial, onde se pretende atender a necessidade do organismo de manter sempre um fluxo sangüíneo adequado às suas demandas, o coração, enzimas, íons, vasos e rins, sob o comando e controle do sistema nervoso central (SNC), em sua secção autônoma, interagem harmoniosamente. Nossas necessidades corporais de sangue variam de momento a momento e de região a região do corpo, conforme as influências e solicitações internas e externas. Portanto, a regulação da pressão arterial é uma tarefa adaptativa bastante complexa. Detectar nossas necessidades biológicas e situacionais, bem como atuar na regulação da pressão arterial é um dos atributos do Sistema Nervoso Autônomo.

Existe uma linha de pesquisas sobre a origem da hipertensão arterial que têm apontado para uma alteração constitucional (genético ou não) na permeabilidade da membrana de algumas células (entre elas as células tubulares renais, as células da musculatura lisa dos vasos sanguíneos e dos neurônios adrenérgicos) que promoveriam maior retenção de sódio intracelular.

Há outra linha de pesquisas que investe na investigação de um defeito constitucional (genético ou não) nos centros neurológicos do bulbo e do hipotálamo, bem como nos pressorreceptores, no sistema nervoso simpático ou no sistema vascular e renal.

O componente genético da hipertensão arterial se suspeita tendo em vista a incidência maior de hipertensão em famílias de hipertensos. Segundo alguns autores, a tendência hereditária costuma aparecer em cerca de 45 a 75% de todos os pacientes. Em gêmeos univitelínicos a concordância para hipertensão arterial é de 50% e nos bivitelínicos de 23%.

A discrepância de 50% nos gêmeos univitelínicos sugere que o mecanismo genético-constitucional pode não ser o responsável exclusivo para o desenvolvimento da hipertensão, nascendo aí a hipótese de que certos fatores ambientais também pudessem sustentar a pressão arterial elevada.

Observou-se, em muitos trabalhos, que determinadas comunidades que não ingerem sal não desenvolvem hipertensão arterial, como ocorre com os índios ianomãmi (Carvalho J J et al. – Pressão arterial e grupos sociais. Estudo Epidemiológico. Arq. Bras. Cardiol. v40. n2, p.p. 115-120, 1983). O papel do estresse na elevação da pressão arterial, tanto em homens como em animais, também tem sido pesquisado. Variados experimentos que empregam estímulos ambientais estressantes contribuem para essas hipóteses. Isso tudo acaba por sugerir que, entre outros, pelo menos dois fatores ambientais conhecidos têm se destacado na gênese da hipertensão arterial: a ingestão de sal e o estresse. Interessa-nos as questões relacionadas ao estresse.

Juntando-se essas hipóteses com as idéias de Selye sobre a adaptação continuada do organismo através do estresse, vamos entender que, em determinadas circunstâncias, a elevação da pressão arterial faria parte dessa resposta adaptativa. Isso, de certa forma, corrobora a idéia de que, em muitos casos, a hipertensão arterial pode ser incluída nos transtornos da adaptação. Quer dizer que determinado organismo que vive uma situação de estresse e exige uma resposta adaptativa poderá reagir com hipertensão arterial.

Em intensidade e duração discretas, a elevação da pressão arterial durante momentos de estresse pode ser considerada uma resposta perfeitamente fisiológica às solicitações do estresse. No paciente hipertenso, entretanto, observa-se não só intensidade maior da resposta hipertensiva, como também duração maior, sendo que, em alguns casos, os níveis pressóricos se manteriam permanentemente elevados.

Sendo fisiológica a resposta hipertensiva diante do estresse, sendo constitucional a sensibilidade a desenvolver essa resposta em intensidade e duração exageradas, então nossa preocupação não se detém mais na influência do estresse sobre a pressão arterial, mas sim, na vulnerabilidade da pessoa ao estresse, ou seja, na característica de certas pessoas se manterem estressadas.

Voltamos, então, à questão muito propalada da sensibilidade variável de pessoa a pessoa, ou seja da existência de uma espécie de filtro afetivo por parte de cada indivíduo, no sentido de avaliar e valorizar as diversas situações vividas e enfrentadas.

Através dos filtros afetivos, os quais constituem o sistema de avaliação através do qual a pessoa sente e valoriza sua existência, as circunstâncias e situações atuais serão julgadas como sendo mais ou menos ameaçadoras, portanto, exigindo maior ou menor esforço de adaptação, exigindo maior ou menor intensidade e duração das respostas adaptativas.

Ainda através dos filtros afetivos, a pessoa valorizará como mais traumático ou menos traumático os seus conflitos íntimos, suas frustrações e sentimentos de perdas. Será também através das lentes da afetividade que o mundo intrapsíquico pode se constituir ou não numa fonte de ameaças e sofrimento. É por causa disso que acabamos por considerar agentes estressores, não apenas as situações ou fatores ambientais e exteriores ao sujeito, mas a estrutura e os conflitos intrapsíquicos, frutos da sua personalidade e de sua história de vida.

Franz Alexander foi um dos primeiros autores a observar e descrever as peculiaridades daquilo que chamava de Personalidade Hipertensiva. Trata-se de pessoas com um núcleo de hostilidade reprimida. Atualmente crê-se que, além desse traço hostil reprimido, o hipertenso pode apresentar também um afeto depressivo, dependência dissimulada, passividade, sentimentos pessimistas e dificuldade para externar emoções.

A depressão representa o transtorno psiquiátrico mais habitual no idoso. As cifras da prevalência da depressão na população geriátrica oscilam entre o 7,7 (Forsell) e 14,2% (Copelande et al). Quando consideramos freqüência dos transtornos depressivos nos idosos incapacitados por alguma doença somática essas cifras aumentam muito, chegando, segundo Harper, em uma mostra de doentes hospitalizados por doenças físicas, a 51,7.

Gómez-Feria acompanhou 285 pacientes de 60 anos ou mais, atendidos em consulta de psicogeriatria. Um total de 72,6% dos pacientes apresentava depressão. Este diagnóstico estava presente em 74,4% das mulheres e no 67,14% dos homens. A idade média de início da doença depressiva foi de 54,4 anos. Aproximadamente, metade dos pacientes estava incapacitada no funcionamento social, familiar ou nos cuidados pessoais.

Um total de 175 pacientes (84,5%) apresentava fatores ambientais que influíram na origem e manutenção da doença depressiva e 96,1% dos pacientes depressivos apresentava doenças físicas. (o artigo)

Depressão e Arritmias

O estresse emocional pode precipitar arritmias ventriculares e/ou morte súbita, ao estimular vias serotoninérgicas no SNC, as quais afetam fortemente o funcionamento cardiovascular (Jiang, 1996).

A ira ou raiva é o estado emocional que com maior freqüência se associa à isquemia miocárdica e arritmias mais graves. É por isso que se questiona se o surgimento de extra-sístoles no período pós-Infarto do Miocárdio em pacientes depressivos seria conseqüência do efeito disrítmico da depressão (Frasure-Smith, 1995). Tendo em vista a melhora dessas arritmias cardíacas com bloqueio adrenérgico, reforça-se a noção da influência cardiocirculatória do sistema nervoso simpático.

O estudo da freqüência cardíaca e sua variabilidade estimulam o estudo da atividade simpática e parasimpática. Os resultados, até agora, são surpreendentes e muito curiosos.

Segundo Kleiger (1987), um paciente com freqüência cardíaca média de 80 bpm com variabilidade de ±5 bpm, comparado com outro, cuja freqüência cardíaca média seja a mesma (80 bpm), mas com variabilidade de ± 20 bpm, tem uma variabilidade diminuída e um risco de morte súbita pós Infarto do Miocárdio maior.

Essa diminuição na variabilidade da freqüência cardíaca é notória entre pacientes depressivos, quando comparado com grupos não depressivos (Dalack, 1990). Carney (1995) reafirma esses dados, analisando pacientes com Doença Coronariana confirmada angiograficamente e com eletrocardiografia dinâmica, onde constata uma diminuição da variabilidade da freqüência cardíaca significativamente mais freqüente entre os pacientes depressivos que os não depressivos. A depressão, então, aumentaria a incidência das arritmias ventriculares, pelo predomínio do Sistema Nervoso Simpático descarregado através da conexão entre o córtex pré-frontal, a amígdala e o hipotálamo.

Depressão e Coagulação

Há tempos se propõe que a depressão possa afetar a coagulação e a trombogênese (Markovitz, 1991). Estes processos seriam centrais para compreender o mecanismo pelo qual a depressão é fator de risco para Doença Coronariana e Infarto do Miocárdio.

As plaquetas têm em suas membranas receptores adrenérgicos, dopaminérgicos e serotoninérgicos, aventando-se a possibilidade da hiperatividade destes últimos fosse uma das causas da combinação entre a depressão e as doenças cardiovasculares. As plaquetas representam um modelo periférico da atividade das vias serotoninérgicas cerebrais, de tal forma que a captação de serotonina e a expressão de seus receptores seja homologada pelo cérebro.

Por algum motivo ainda desconhecido, os receptores serotoninérgicos plaquetários do paciente depressivo são hiper-reativos. Estas plaquetas, digamos, hiper-reativas, detectadas por citometria de fluxo ativado por luz fluorescente aceleram a formação de trombina, a liberação de fatores que induzem a migração leucocitária, a proliferação de células e, por fim, a agregação plaquetária, incrementando assim o risco de doenças cardiovasculares e/ou a morte súbita pós-Infarto do Miocárdio (Musselmam, 1996).

É também sabido que a Hipertensão Arterial, a hipercolesterolemia, o fumo e a idade avançada são fatores que predispõem ao desenvolvimento das doenças cardiovasculares, e todos eles contribuem para a ativação serotoninérgica das plaquetas. Há evidência médica suficiente para suspeitarmos que as alterações do SNC/SNA e a função serotoninérgica plaquetária ocorrem em pacientes depressivos e são causas fortemente atreladas à doenças cardiovasculares (Owens, 1994).

A Doença Cardíaca segundo o paciente

As características da sociedade de hoje, individualista, competitiva, aglomerada e espremida no espaço urbano, sedentária, tabágica, com hábitos alimentares errados, ingestão excessiva de calorias e álcool, fariam da hipertensão arterial uma doença da modernidade e civilização. Além dos elementos sócio-culturais, também existem influências intrapsíquicas, representadas pelos conflitos e pelo modo peculiar da pessoa avaliar e enfrentar situações.

A compreensão das reações emocionais do paciente diante do adoecer deve ser muito valorizada pelo médico, embora, na prática, isso freqüentemente tem sido ignorado. A doença costuma ser estudada e entendida apenas pelo seu lado anatômico, clínico e sintomatológico. O que se pleiteia para o clínico é um enfoque mais generalista, através da compreensão da pessoa que vive sua doença.

A necessidade de uma abordagem psicossocial do cardiopata fez com que se reconhecesse o importante papel da informação sobre a doença na relação médico-paciente e, principalmente, na relação doente-doença, com evidentes benefícios à saúde do paciente. As falhas na educação apropriada repercutem na recuperação do paciente, nos cuidados pessoais, na ausência das necessárias mudanças de hábitos e, conseqüentemente, ficariam aumentadas as chances de resultados terapêuticos insatisfatórios.

Algumas pesquisas (Glória H. Perez, Bellkiss W. Romano – Temas Livres do LII Congresso da SBC) podem apontar que até 57% dos pacientes não sabem o nome da sua cardiopatia corretamente, 37% não sabem defini-la, 43% não sabem as causa genéricas da doença e 35,5% não sabem as causas específicas do seu próprio caso. Esses conhecimentos se relacionam menos com o nível de escolaridade do que com o grau de informação fornecido pelo médico.

O conhecimento da cardiopatia pelo próprio paciente é extremamente acanhado, e não parece haver consciência desta realidade. Detecta-se uma postura absolutamente passiva e de alienação em relação à doença e tratamento por parte do paciente, ignorância esta atribuída exclusivamente à responsabilidade do médico.

Costuma ser desafiante a tarefa de sugerir medidas gerais, de cunho psicossocial, que objetivem prevenir, tratar ou reabilitar um cardiopata. Uma forma abrangente de prevenir a doença coronariana seria:

1. Ampliar o nível de conscientização do indivíduo sobre seu modus vivendi, sobretudo no que diz respeito ao estabelecimento de metas reais alcançáveis, à necessidade de estabelecer prioridades de tal modo que possa fazer uma coisa de cada vez e à percepção de que certos hábitos de vida deterioram sua saúde.

2. Propiciar ao indivíduo (no ambiente de casa, do trabalho, da escola e dos serviços de saúde) suportes sociais que o façam sentir-se amado e valorizado, cuidado e protegido e membro de uma rede de interações e comunicações que funcione de maneira franca e precisa.

3. Conscientizar o indivíduo acerca dos efeitos deletérios do estresse e propor métodos para reduzi-lo.

4. Estimulá-lo a ampliar seu autoconhecimento através de técnicas psicoterápicas.

Informá-lo sobre os fatores de risco da doença, orientando-o e estimulando-o no sentido de combater esses fatores.

Com relação à hipertensão arterial, uma série de fatores tem sido aventada como responsáveis pela pequena aderência dos pacientes ao tratamento. Entre elas relacionamos as seguintes:

1. Evolução assintomática da doença.

2. Necessidade de tratamento continuado.

3. Custo e efeitos colaterais dos remédios.

4. Necessidade de fazer dieta.

5. Desinformação em relação à doença.

6. Dificuldade em obter cuidados médicos.

7. Relação médico-paciente insatisfatória.

8. Situações psicossociais estressantes.

9. Falta de suportes sociais.

10. Desmotivação e baixa auto-estima.

11 . Núcleos conflitivos não resolvidos.

12. Utilização da doença como “benefício emocional secundário”.

As respostas cardiovasculares ao estresse têm-se relacionado com o desenvolvimento de diversas alterações clínicas importantes, utilizando-se como indicadores das mesmas a reatividade e a recuperação cardíacas. A atividade eletrodérmica é o parâmetro que tem sido utilizado como índice clínico de diversas alterações relacionadas com o estresse.

Ballone GJ – Psicossomática e Hipertensão Arterial – in. PsiqWeb, Internet, disponível em http://www.psiqweb.med.br, atualizado em 2005.